cultura, mídia e política: Homem de Ferro, herói do Capitalismo

15 de outubro de 2013

Homem de Ferro, herói do Capitalismo

Não é segredo para ninguém que a criação de super-heróis tem uma motivação ideológica, como, aliás, praticamente tudo feito por pessoas. Nós, assim como os super-heróis, não existimos no vácuo; as coisas que dizemos ou os vilões que eles enfrentam têm relação direta com a nossa cultura e oferecem um retrato bem posicionado no espaço e no tempo sobre o mundo ao nosso redor.




E o Homem de Ferro diz muito sobre a sociedade que o criou. Ele consegue representar mais nitidamente os valores norte-americanos do que o próprio Capitão América, e nem precisa da bandeira dos Estados Unidos pintada no peito para conseguir isso. Não estou exagerando tanto assim. É só lembrar de como e quando ele surgiu. Os fãs que fizeram o dever de casa sabem que o Homem de Ferro foi criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1963, e que sua primeira aparição foi em Tales of Suspense #39, com o traço do artista Don Heck.
Bem, e daí? E daí que a época era de Guerra Fria. Estados Unidos de um lado e União Soviética do outro. Um período tenso, marcado por espionagem, trocação de farpas e muita propaganda política. E propaganda funciona assim: você pega um produto marromeno e apresenta ele de forma legal. No caso, os “produtos” concorrentes eram o capitalismo de um lado, o socialismo e o comunismo do outro.
É aí onde entram os quadrinhos, que funcionaram muito bem como propaganda.
Stan Lee já flertava há algum tempo com a ideia de criar um super-herói que fosse um homem de negócios. Ele aproveitou o contexto da época para explorar o tema da Guerra Fria e resolveu criar um herói que fosse, literalmente, a quintessência capitalista.
“Eu me permiti um desafio. Era o auge da Guerra Fria. E se tinha algo que os leitores odiavam, especialmente os leitores jovens, era guerra, eram os militares. Então eu vim com um herói que representava isso elevado à centésima potência. Ele era um fabricante de armas, ele fornecia armas para o exército, ele era rico, ele era um industrial. Pensei que seria divertido levar esse tipo de personagem que ninguém iria gostar, que nenhum de nossos leitores iriam gostar, e empurrá-lo goela abaixo. E ele se tornou muito popular.”
É certo que o Homem de Ferro não chegou a alcançar a popularidade do Homem-Aranha, mas conseguiu se firmar como um herói com quem o público simpatizava, apesar de ser um armamentista milionário. Além dessa característica difícil de ignorar, seu posicionamento ideológico já ficou marcado desde suas primeiras histórias, quando enfrentava vilões da espécie do Mandarim, do Dínamo Escarlate e do Homem de Titânio. O Homem de Ferro nasceu como um herói que chutava traseiros de (atenção, atenção) comunistas.
À medida que a guerra foi acabando, o Homem de Ferro foi mudando de foco, envolvendo-se em histórias diferentes e tornando-se um pacifista, recusando-se a continuar alimentando a indústria bélica. Não por acaso: havia uma pressão muito forte por parte da população norte-americana para os Estados Unidos saírem do Vietnã.
O capitalismo foi apresentado como algo lustroso e brilhante, tal qual a armadura do Homem de Ferro. A concentração absurda de renda na mão de uma só pessoa não parece algo tão terrível quando serve para que essa pessoa possa construir uma armadura super-poderosa que combata os caras maus e salve os inocentes, certo? Além do mais, o personagem ganha um plus em estilo quando pode dirigir carros que custam o que eu ou você não ganharíamos em uma vida. Ou duas.
Tony Stark é especialmente controverso por ser um herói e, ao mesmo tempo, lucrar com a destruição causada pelas armas fabricadas em sua empresa. Na releitura do herói para os cinemas, conseguiram usar isso como conflito no primeiro filme (o playboy que cai na real e percebe o quanto o seu negócio é destrutivo) e aos poucos transformaram o personagem em alguém com uma visão de negócios mais politicamente correta (no filme Avengers, quando ele trabalha em uma forma de energia sustentável). Assim como o capitalismo, ele se adapta a novos cenários.
desigualdade social
desigualdade social
Mas uma coisa não muda: Tony Stark continua rico. Obscenamente rico. E desde o primeiro filme estrelado por Robert Downey Jr., a popularidade do herói foi às alturas, a ponto de relevarem o estilo de vida nababesco do personagem, ou até mesmo de a glorificarem. Se comunistas transformados em vilões passam a ser vistos de forma pejorativa, homens ricos transformados em heróis são admirados. A imagem é de que os ricos se importam; de que cabe aos milionários salvar o mundo. Mas um dos maiores problemas da humanidade não seria justamente a abismal desigualdade social que permite a existência de Tony Starks por aí?
Mas não pensem que estou condenando o Homem de Ferro; os melhores heróis são aqueles que nos fazem refletir sobre nós mesmos.
por Alyne Valek

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