cultura, mídia e política: Até as pedras mudam

11 de outubro de 2013

Até as pedras mudam


É interessante imaginar que a maior das montanhas, aquela formação rochosa milenar, por mais que imóvel no mesmo lugar, nunca é a mesma. O tempo e o vento nunca a deixaram de esculpir, de forma que o desenho que vemos hoje não é o mesmo de mil anos atrás. Que mesmo aquele escalador, ao derrubar pedregulhos em sua passagem, já alterou a montanha. É claro que a montanha não deixou de ser montanha. Ela ainda existe, está lá. Mas algo nela já não é mais o mesmo.
Sabe-se lá o que a pedra que vemos hoje será amanhã. Daqui a alguns anos é possível que ela se dissolva em farelos. Que vire outra coisa. Até nosso continente, o chão onde pisamos, já teve outro desenho – por que uma simples pedra estaria imune a mudanças?
Até a Muralha da China, aquela coisa gigante e comprida que dá pra enxergar de fora da Terra, que um dia já se levantou imponente para conter exércitos inimigos – até ela – já virou outra coisa. Mudou. Transformou-se.
Elas só parecem estruturas rígidas, imutáveis, impassíveis. Mas as pedras, as montanhas, as muralhas e os paredões, toda sorte de pedregulhos e rochedos, estão em constante processo de mutação. Leva tempo, mas mudam.
E se até as pedras mudam, por que nós, que somos feitos de carne, osso, vísceras, sangue e ideias não mudaríamos?

***

É um tanto inútil apontar o dedo para uma pessoa que disse algo babaca e marcá-la a fogo com o rótulo de machista, como se ela fosse aquilo e pronto.
Alguém que acha que mulheres precisam “se dar ao respeito” para serem respeitadas, que acredita que se uma mulher foi estuprada foi porque provocou, que acha que ela foi assassinada pelo ex-parceiro ou apanhou do marido foi porque mereceu, que diz “só podia ser mulher”, que mexe com desconhecidas na rua e acha que isso é “paquera”, que ri de piada de estupro, que acha que tem “coisas de menino” e “coisas de menina”, que diz que “mulher de verdade” é assim ou assado, que chama outra mulher de “vadia”, que constrange mulheres por serem gordas ou fora do padrão de beleza, entre outras coisas, esse alguém pode mudar de ideia um dia. Claro que pode. A gente espera que possa.
Não somos feitos de pedra ou cimento, de forma que, se alguém é esculpido machista, machista será. Não. Com o tempo mudamos nossos gostos musicais, nosso estilo de cabelo, nosso endereço, nossas preferências… e eventualmente mudamos de ideia sobre as coisas. Não é feio mudar de ideia. Aliás, ainda bem que a gente muda. Se não, hoje eu estaria dizendo as mesmas besteiras machistas e racistas que um dia já pensei, disse e fiz.
O negócio é que, quando expostas a opiniões que questionam essa cultura altamente machista e patriarcal, muitas pessoas ficam na defensiva, até mesmo agressivas, como se esses pensamentos (que elas não consideram machistas) fizessem parte do seu “eu”. Como se, sem os pensamentos machistas que essa pessoa só tem porque os absorveu de uma sociedade machista, elas deixassem de ser elas mesmas. Então elas brigam e rejeitam os questionamentos como se estivessem defendendo a própria identidade. Elas se agarram àquilo como se não fossem sobreviver sem as ideias machistas que ajudam a reproduzir.
Mas o machismo não faz parte do DNA de ninguém. Ninguém morre se deixa de lado ideias machistas. Ninguém precisa morrer machista só porque já fez/falou algo machista um dia.
O machismo, enquanto estrutura opressora da nossa sociedade, não precisa que você o defenda. Pelo contrário: você (seja homem ou mulher) é que precisa se defender dele. Quando você perceber isso, quem sabe, você mude de ideia?
Afinal, se até as pedras mudam, não é você que vai querer ser um pedregulho machista para sempre.
Por Aline Valek
Imagem: Jared Salmond. 

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